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Faleceu a 30 de abril deste ano na cidade de São Paulo, António Ferreira Paim, filósofo e o principal historiador da filosofia brasileira até aos nossos dias. António nasceu a 7 de abril de 1927, em Jacobina, na Bahia e dedicou-se ao estudo da História das Ideias, Política e Filosofia, campos em que se defrontou com inúmeros problemas, sendo autor de uma obra extensa e variada. Na década de 1950 cursou Filosofia na Universidade Lomonosov, em Moscovo, e, posteriormente, fez novamente o curso na Faculdade Nacional de Filosofia, no Rio de Janeiro.

Foi professor na Universidade Federal do Rio de Janeiro, na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e na Universidade Gama Filho, aposentando-se da docência, em 1989. Na PUC-RJ organizou e coordenou o curso de mestrado em Pensamento Brasileiro. Na Universidade Gama Filho, juntamente com o Dr. Eduardo Abranches de Soveral, que veio para o Brasil depois da Revolução dos Cravos, implantou o doutorado em Pensamento Luso-Brasileiro, ocasião em que orientou diversas dissertações de mestrado e teses de doutoramento.

Paim presidiu o Conselho Acadêmico do Instituto de Humanidades e foi membro titular do Instituto Brasileiro de Filosofia e do Instituto de Filosofia Luso-Brasileiro. Ele ainda integrou os quadros da Academia Brasileira de Filosofia, Pen Clube do Brasil, Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Academia de Ciências de Lisboa.

“História do liberalismo brasileiro”, publicado em 1998, revela o estudo de António Paim ao passado do liberalismo e de outras correntes políticas

Além dos trabalhos como professor universitário de filosofia, desde fins dos anos 50 trabalhou como assessor de diversos órgãos oficiais como BNDS, FINEP, Governo do Estado da Bahia, Ministério da Aeronáutica e Ministério da Agricultura, tendo uma longa lista de serviços ao país, ocasiões em que se destacou pela sua inteligência brilhante.

Dedicou especial atenção às questões de ética e política, escrevendo trabalhos importantes não só para o pensamento brasileiro, mas para entender a cultura ocidental, estruturada entorno de diferentes modelos éticos desenvolvidos desde a antiga Grécia. Paim estudou esses modelos e a forma de viver que preconizavam. Além dos trabalhos de criação intelectual promoveu a reedição de importantes textos de intelectuais brasileiros, entre os quais a obra de Oliveira Vianna (1883-1889), incluindo textos que permaneceram inéditos por quarenta anos e as Obras Completas de Tobias Barreto, em parceria com Paulo Mercadante.

Ele também participou na organização de diversas coleções ligadas ao pensamento brasileiro, entre as quais a Estante do Pensamento Brasileiro, dirigida por Miguel Reale, da Biblioteca do Pensamento Brasileiro, dirigida por Adolpho Crippa; da Coleção Pensamento Político Republicano, dirigida por Carlos Henrique Cardim; e da Coleção Reconquista do Brasil, da Editora Itatiaia.

Retrato do filósofo brasileiro Tobias Barreto, um autor redescoberto por António Paim

O destaque do seu trabalho intelectual concentrou-se no estudo da Filosofia, História e da Cultura brasileiras, campos nos quais preparou um grupo de professores e pesquisadores. O aspeto que o distinguia como intelectual era a sua abertura para estudar o pensamento nacional com a mesma dedicação com que examinava os clássicos da filosofia e da política mundiais. Paim não foi apenas um grande estudioso de Kant e do pensamento liberal, mas identificou autores como Tobias Barreto que iniciou um diálogo inovador com o mestre alemão. Barreto olhou o kantismo com os olhos de um brasileiro comprometido com o seu país e com os seus problemas no século XIX.

Num tempo negacionista, onde se duvida da ciência e a inteligência parece ter se despedido do nosso país para habitar terras distantes, onde alguns pensam um amontoado de pessoas sem pensar uma nação, Paim pode ser uma inspiração. Quer como liberal, como humanista, como intelectual, como professor foi notável. Em dias tão difíceis perdemos um dos nossos intelectuais mais brilhantes. À sua memória, à sua inteligência, ao seu amor pelo Brasil temos o compromisso de dedicar o melhor de nós mesmos.

José Maurício de Carvalho

José Maurício de Carvalho – Departamento de Filosofia da UFSJ, é uma das maiores autoridades em filosofia de língua portuguesa e autor de mais de três dezenas de obras filosóficas. Doutorado em Filosofia, também é filósofo clínico e psicológico. Este texto está presente na edição 244 da Revista Conhece-te.

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