O filme “The People vs. Larry Flynt”, ou “Larry Flynt” em português, do realizador Milos Forman, é estupendo! Um drama judicial biográfico de 2h10min que conta com os atores Woody Harrelson, Courtney Love, Edward Norton, James Cromwell, Crispin Glover, entre outros. Este é do ano de 1996, e o argumento ficou ao encargo de Scott Alexander e Larry Karaszewski.
Larry Flynt, brilhantemente interpretado por Harrelson, veio do nada, da zona rural do Kentucky e construiu um império que atendia pelo nome da revista Hustler. Criada em 1974, esta foi um marco na história pornográfica dos Estados Unidos e chegou a ter tiragens de dois milhões de exemplares. À medida que crescia a fama da publicação, o que era de se esperar aconteceu: entidades e associações entraram na Justiça e incriminaram o seu fundador por apologia a obscenidades e o editor teve que passar a dividir o seu tempo de administração da empresa, festas regadas a drogas e álcool, com idas a tribunais.
Insultou um reverendo e foi por este processado, numa guerra declarada entre a religião e o sexo. Condenado à prisão em regime fechado, passou uma boa temporada até ter o direito de apelar em liberdade. Saindo de um dos tribunais onde respondia a acusações, foi vítima de um atentado a tiro que o deixou paralisado da cintura para baixo. Seria isso um castigo de Deus? Pois logo o homem que incentivava o sexo ficava assim alijado de praticá-lo. Embora o filme verse sobre sexo e publicações eróticas, o pano de fundo é a tão propalada Primeira Emenda dos Estados Unidos, a que versa sobre a liberdade de expressão, base da própria Constituição do país.

No papel de advogado de Larry, um jovem Edward Norton na pele de Alan Isaacman. Algumas passagens engraçadíssimas: quando se vai apresentar na cadeia para o cliente, contratado pela esposa Althea Leasure (interpretada por Courtney Love, a finada de Kurt Cobain) este implica com o rosto jovem do advogado e pergunta se ele já se havia formado. Outra pergunta desconcertante é sobre se ele estava envolvido com Althea. Já perceberam o humor do protagonista, não? São questões descabidas para quebrar o clima e deixar o profissional à vontade, no conturbado mundo de Flynt.
Embora seja alvo de muitas perseguições na Justiça, com o tempo ele torna-se “queixo duro” (um sujeito que não aceita as ordens de bom grado e as contesta). Irónico e mordaz, chega a levar sacos e sacos de dinheiro para um tribunal de forma a pagar uma multa por desacato à autoridade. Aqui uma travessura do Larry Flynt de carne e osso: pedir ao realizador que o deixasse interpretar o primeiro juiz que o condenou, por entender que ele era tão canastrão quanto ele.
Se pouca confusão é aldrabice, a certa altura ele está no seu jato particular pronto a deixar o Estado quando entra a correr pela pista o advogado, declarando que, caso ele contrariasse uma ordem judicial, se demitiria. Mais um disparate do cliente, afirmando para que ele deixasse de ser bobo, pois atendia a um cliente perfeito: cheio de dinheiro e metido em confusões.
Acerca de Courtney Love, cabe aqui uma observação: a vocalista da banda Hole, também atriz e viúva do líder dos Nirvana, sofreu na pele a tragédia que se abateu sobre o músico em 1994 e dois anos depois, concluiu um papel que em muito lembrou o ambiente abafado das drogas e da tragédia. Pois a esposa de Larry é viciada em cocaína e, como se não bastasse, ainda contrai o vírus HIV/SIDA. As cenas de amor do casal são tocantes, e nessa premissa de estarem juntos para sempre, a relação convence.

Nós, editores, nunca devemos esquecer como se iniciou o negócio. Uma cena emocionante é quando Larry, saindo de uma das suas temporadas na prisão, volta inesperadamente à agora rica sede da Hustler e, de cadeira de rodas, faz-se anunciar pelos altifalantes que o Pervertido voltara. Hilário! Numa outra passagem, está numa mesa com um CEO e acionistas e estes afirmam ao fundador que os tempos agora eram outros, que a modernidade havia chegado e toda aquela conversa fiada de empresa blá blá blá. Larry não aguenta e demite no ato o ‘almofadinha’. Certamente este não conhecia o histórico do seu polémico fundador.
Coincidentemente, após ter visto outra vez o filme para escrever esta análise (pela enésima vez) fiquei a saber da morte de Larry Flynt, agora recente, a 10 de fevereiro deste ano. Fica como homenagem então. Deixo várias perguntas convidando ao essencial que é assistirem e tirarem as vossas próprias conclusões: a Primeira Emenda da Constituição dos Estados Unidos é soberana? Até onde vai a liberdade de expressão? Hoje o sexo e as cenas de nudez perderam espaço frente a termos tudo disponível através de um clique? Qual será o futuro das revistas de “sacanagem”? Qual será o futuro das publicações em papel?
Com atuações soberbas, “Larry Flynt” valeu uma nomeação ao Óscar de Melhor Ator para Woody Harrelson, e só tenho a afirmar que foi mais do que merecido. E dizer também que uma produção de Milos Forman por si só é clássica!
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