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Hoje em dia, há um conjunto de elementos que estão presentes em praticamente todos os jogos AAA (jargão gaming para referir os lançamentos dos grandes estúdios, de forma similar ao uso da palavra blockbuster no cinema). Grande parte destas características está intimamente ligada a uma necessidade de aumentar o número de horas de conteúdo, uma decisão justificada, em grande parte, pelo aumento do preço a que estes jogos são vendidos.

Um bom exemplo desta prática é o recente aumento do número de jogos triple A que apresentam elementos de mundo aberto ou onde, pelo menos, as missões da história principal podem ser entrecortadas com missões secundárias, estas últimas muitas vezes tediosas, sem acrescentar muito à narrativa principal e, por vezes, quebrando completamente o ritmo pretendido. Além disso, nestes grandes lançamentos é quase certo que irá haver um grande foco nas melhorias da personagem jogável, materializado frequentemente na existência de skill trees. Por último, uma tendência que não é necessariamente recente é a inclusão de colecionáveis, que procuram em grande parte lucrar com o sentimento ‘colecionista’ de muitos jogadores.

Estas características, não raras vezes, fazem com que os jogos pareçam mais produtos do que obras de arte, apenas focados em oferecer o máximo de conteúdo. Não deixa de ser curioso que “Control”, jogo lançado em 2019 pela 505 Games e desenvolvido pela Remedy Entertainment, inclua todos os elementos anteriormente referidos, mas que, ao contrário de muitos outros jogos do escalão, a sua inclusão revela-se quase sempre oportuna e não fruto de uma tentativa forçada de estender a duração do jogo.

Jesse Faden (Courtney Hope), protagonista de “Control”

Desde o primeiro momento envolto numa atmosfera de mistério, “Control” inicia-se com a protagonista Jesse Faden (Courtney Hope) a entrar no Federal Bureau of Control (FBC), uma organização secreta que (mais tarde se percebe) investiga eventos sobrenaturais que afetam humanos e objetos. Embora o FBC opere de forma clandestina, Jesse consegue chegar ao gigantesco edifício, guiada por uma força telepática. A grande motivação da protagonista para entrar no FBC prende-se com a crença de que o seu irmão, Dylan, foi raptado pelo Bureau quando ambos eram crianças.

Ainda nos primeiros minutos de jogo, Jesse encontra o Diretor do FBC morto no seu gabinete. Movida pela curiosidade, Jesse pega na Arma de Serviço do Diretor Trench (James McCaffrey) e é imediatamente transportada para um local denominado Astral Plane, onde uma estranha entidade denominada The Board a nomeia imediatamente como nova Diretora do FBC. Saída do seu novo escritório, Jesse é atacada por agentes do FBC possuídos por um organismo a que esta apelida The Hiss. Após encontrar alguns funcionários não infetados, Jesse percebe que todo o edifício se encontra em isolamento para evitar que o Hiss se espalhe para o exterior.

Depois de um capítulo introdutório que providencia mais questões do que respostas, estabelece-se como missão de Jesse penetrar cada vez mais a fundo no FBC e ir desvendando os seus segredos (incluindo a localização do seu irmão Dylan), ao mesmo tempo que faz uso da sua poderosa Arma de Serviço para ir combatendo diferentes manifestações de infetados pelo Hiss, que se traduzem em diferentes tipos de inimigos. O combate é um dos aspetos mais criativos do jogo, permitindo usar diferentes formas e modificações da Arma de Serviço que serão úteis contra diferentes tipos de inimigos (por exemplo, o modo Pierce causa mais dano enquanto que o modo Shatter é implacável a curta distância).

Em “Control”, Jesse terá que combater um estranho fenómeno sobrenatural (The Hiss) que se manifesta em humanos

Jesse vai também adquirindo poderes sobrenaturais à medida que interage com Objects of Power (os objetos que são estudados pelo FBC por possuírem características paranormais), que complementam o uso da arma durante o combate. Entre as habilidades incluem-se as de lançar objetos com o poder da mente ou de levitar, sendo que as restantes (como a de escapar de ataques ou possuir inimigos) podem ser desbloqueadas em missões secundárias.

Para adicionar alguma dinâmica e obrigar a que estes dois fatores sejam bem conjugados, a Arma de Serviço embora possua munições ilimitadas, necessita de algum tempo para recarregar após ficar sem munição, da mesma forma que as habilidades psíquicas de Jesse só podem ser usadas se a barra de energia não estiver vazia.

Como já foi mencionado, “Control” possui uma história principal que inclui a exploração gradual dos vários setores do FBC, mas também um grande conjunto de missões secundárias que permitem acrescentar algum contexto útil a um jogo que prima muito pelo suspense e pelo mistério. No caso de “Control”, mais de metade destas missões secundárias são tão interessantes e bem construídas, que fica um sentimento de pena ao pensar que muitos jogadores podem completar o jogo sem se aperceberem de alguns destes extras. É precisamente em alguns destes desafios opcionais que se apresentam espetaculares boss fights (ausentes das missões principais) e também possibilidades de descobrir novas habilidades psíquicas para Jesse.

Da mesma forma, a existência de skill trees, que permitem especializar a protagonista numa certa habilidade, não é supérflua, dado que os pontos de habilidade são difíceis de conquistar e cada jogador terá que adaptar as melhorias disponíveis ao seu estilo de jogo. Os colecionáveis, que incluem relatórios científicos dos investigadores e outros tipos de documentação, clips de áudio ou até cartas, são, embora numerosos, extremamente bem-vindos, dada a curiosidade criada pela narrativa, que incentiva os jogadores a quererem perceber todos os segredos desta estranha organização.

Os visuais de “Control” têm como inspiração grandes nomes do cinema, tais como David Lynch ou Stanley Kubrick

Não é só no capítulo narrativo que “Control” surpreende, sendo também uma referência no capítulo visual e estético. Este foi um dos primeiros jogos a usar a técnica de ray tracing para renderizar as imagens, resultando numa qualidade gráfica muito acima da média. Ironicamente, esta inovação pode ser também considerada uma das suas principais falhas, dado que, sobretudo na versão normal da PlayStation 4 (onde foi jogado o jogo), é notória uma grande descida de frames por segundo em várias situações de combate. Talvez por isso, “Control” seja melhor experienciado na PS4 Pro, num PC com melhor hardware ou então na novíssima versão de “Control” que foi lançada para PS5 e XBox Series S, em Fevereiro de 2021.

Ainda no âmbito dos pontos negativos, o final do jogo parece algo apressado, o que não combina com o crescimento climático que foi sendo construído até então. Talvez essa indefinição do final narrativo se prenda com o facto de que após completar a história principal é possível ainda continuar a jogar, para completar o resto das missões secundárias ou continuar a explorar o FBC, algo que requer que não haja grandes mudanças após o final da história.

Apesar de tudo, “Control” mostra que o uso de mecânicas formulaicas não tem necessariamente que corresponder à falta de criatividade, e demonstra também o que é que se consegue alcançar quando se casa na perfeição história, jogabilidade e uma excelente aplicação do mote “mostrar em vez de contar”.

Luís Ferreira

Rating: 3.5 out of 4.

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