Apesar de ter emigrado para França aos 10 anos, o cineasta e argumentista laociano Kiyé Simon Luang está longe de esquecer as suas raízes. Depois de se estrear em longas-metragens documentais com o filme “Ici finit l’exil” (2010), o autor troca a realidade pela ficção em “Goodbye Mister Wong”, uma película filmada em Laos que medita sobre o passado, o presente e o futuro do país asiático. Mais do que um esplêndido exercício em enquadramento e composição fotográfica, este melodrama oferece uma narrativa pausada, contemplativa e até dispersa, ainda que não abdique de um débil fio condutor para guiar a sua experiência imagética.
A história tem a orientação de diversas perspetivas que de uma forma ou de outra relacionam-se com uma jovem mulher laociana (Nini Vilivong) que retoma ao seu lar para gerir o negócio de família – um pequeno barco turístico atracado à margem do lago Nam Ngum. Ela chama-se França, muito devido à descendência do seu pai, estreitando a relação que o filme tem entre o país europeu e Laos, que outrora fora sua colónia.
Enamorado por França desde o primeiro olhar, Mr. Wong (Soulasath Saul) procura investir em grande, quer no setor turístico da região como no coração da jovem, cujo batimento cardíaco está mais sincronizado com o de Xana (Khamhou Phanludeth), que pode ou não vir a trabalhar para o Mr. Wong.

A par e passo nas cenas vagueia um casal francês. Nadine (Nathalie Richard) está em Laos há um ano por razões desconhecidas e por motivos da mesma índole o seu marido, Hugo (Marc Barbé), demorou este tempo todo a visitá-la. Num dos diálogos mais empolgantes do filme, o marido procura reconciliar-se – “Viajei 11.000km para estar contigo, não vamos começar a discutir“, ao qual a esposa recorda-o, ao som de um avião que planeia, – “11.000km não é nada nos dias de hoje“. Vê-lo a debater-se com a crescente frustração e a integrar-se na cultura laociana acaba por ser mais um dos focos de interesse na narrativa.
Adjetivo esse que pode estender-se com muita facilidade aos aspetos temáticos e técnicos de “Goodbye Mister Wong”. Preocupado com os ecossistemas do lago e com a sua gente, Luang comenta através da dicotomia negócios locais / enormes empreendimentos, a forma como a China está a ter impacto na economia do país. Segundo o próprio cineasta – “Daqui a 5 anos, teremos nostalgia do lago que podemos ver em Goodbye Mister Wong“.
Salientando que já estão imensas mudanças a decorrer. A constante presença do lago, que é por si só uma personagem relevante para a película, expressa o fascínio e o respeito do autor para com o mesmo. Perdesse a conta aos planos captados pelo diretor de fotografia Aaron Sievers que mereciam ser imortalizados a tela e óleo.
Neste aspeto, a realização convida à absorção da magnitude dos cenários alongando o campo de visão e abrandando o ritmo de cada plano de forma deliberada. Em sintonia está uma escrita que não obedece a nenhum formalismo teórico promotor do dramático. Num estilo que chega a recordar o mundanismo e o positivismo de “La tendresse” (2013), pode questionar-se se é ou não do interesse do filme gerar drama, sendo certo que a sua ausência é simultaneamente uma virtude e um revés.

Por entre a consciencialização e o pasmo a atriz Nini Vilivong, no seu primeiro papel, evoca uma clareza e uma descontração dignas de nota, personificando um símbolo de resistência do seu país. Nas suas respetivas funções, os veteranos atores franceses Nathalie Richard e Marc Barbé cumprem a missão da interceção cultural e mostram que fazer turismo em Laos potencia o contacto com o nosso ser interior.
Porque na sua essência, “Goodbye Mister Wong”, integrante na Competição Internacional do Festival de Cinema Porto/Post/Doc, apela a que estejamos em contacto connosco e com o outro. De uma forma tolerante, de uma forma humana. Pinta um retrato de uma terra em plena transformação e pede para que não esqueçamos a sua gente. De acordo com o enredo, pode dizer-se que o Sr. Luang é um sonhador. Uma filosofia que não vejo no cinema contemporâneo todos os dias, mas que é mais do que bem-vinda.
Este filme pode ser visto no Porto/Post/Doc no dia 26 de Novembro (quinta-feira), às 17:30 horas, no Teatro Rivoli. Consulta a programação diária aqui.