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Porque A Arte Somos Nós

Em “Fracture” (“Ruptura“), Ted Crawford (interpretação de Anthony Hopkins — conhecido pelo filme “Silêncio dos Inocentes“, de 1991) assassina a sua esposa por esta ter um caso extra-conjugal, mas delineia tudo ao pormenor. Estamos a falar de uma pessoa bastante calculista naquilo que faz, com um reportório mental muito característico. Ao ponto de se defender a si mesmo e de estudar o advogado de acusação. Sob o ponto de vista da ideia “todos somos inocentes até prova em contrário”, Ted desconstrói um caso complexo, de difícil resolução, contrariando as expectativas primárias.

O filme tem na prestação de Anthony Hopkins a medida certa do secretismo cinematográfico. Não dá tudo ao espectador e espera que ele consiga, por si só, atingir a dinâmica narrativa. É inovador na forma pausada com que dá seguimento aos planos e secções entre actos e tenta sempre deixar o auditório em dúvida. Mesmo quando tudo parece óbvio, há sempre alguma coisa mais.

Embeth Davidtz e Anthony Hopkins

“Ruptura” (2007) encontra no limiar da imprevisibilidade o toque para ir mais além. Sem nunca deixar as coisas demasiado abertas, nem tão-pouco profundamente explícitas, há um equilíbrio entre a magia de uma interpretação desconcertante de Anthony Hopkins e uma certa ingenuidade de Willy Beachum, a personagem interpretada por Ryan Gosling — conhecido por papéis como em “La La Land” (2016).

A história debruça-se sobre a justiça e a forma como é fácil contornar as leis. Por vezes, a base de um julgamento não é, necessariamente, quem é culpado ou não, mas sim quem mostra estar mais perto da verdade dos factos. E essa é uma das constatações mais duras, transversais a qualquer vertente da nossa vida.

Algo bastante interessante e de denotar tem que ver, obviamente, com um fenómeno (que já não é novo) do espectador, nós, e acho que falo pela maioria, torcemos incessantemente pela “vitória” do mau da fita. Todos nós, e isto é uma reflexão aceite no mundo da Psicanálise, temos algo entranhado em nós, uma espécie de desejo de malícia, de uma maldade intrínseca, natural, carnal e biológica que encontramos, precisamente, na personagem de Ted Crawford. Assim, somos transportados para uma viagem cinematográfica com um princípio, meio e fim bem articulados e onde reina a vontade de nos conectarmos, enquanto espectadores, com o protagonista.

Ryan Gosling

O argumento é bastante digno, no sentido em que promove uma articulação interessante entre as emoções e a própria interioridade das personagens. Apesar da densidade de protagonistas ser reduzida, o filme não precisa de muito mais que um mistério constante a dominar as hostilidades para ser audaz e sugestivo. A realização de Gregory Hoblit traz consigo uma simplicidade imensa, sem romantizar demasiado todo o suspense que serve de base à narrativa. Desta forma, apoia-se sobretudo na genialidade de Ted Crawford para extrair algo mais.

Se há sentimento que fica depois de ver esta película, é um sentimento reconfortante de admiração. Todo o filme mostra um lado obscuro, passando-nos “a bola”, como se costuma dizer, e deixa-nos guiar a história, sobretudo no desfecho. O próprio título da obra é de uma escolha exímia, dentro da contextualização do filme. Decerto, tenho de deixar uma palavra de apreço pela realização de Gregory Hoblit, que soube ditar os tempos de magia de uma forma simples, autêntica e precisa. “Ruptura” constitui, portanto, mais que um mero julgamento de leis cinematográficas, tornando-se um jogo de inteligências, de quem se mostra mais capaz de contornar o real.

Assim, o génio de Anthony Hopkins é, sem dúvida, a âncora intelectual desta produção, mas não podemos nunca deixar de enaltecer um argumento – créditos para Daniel Pyne e Glenn Gers – que sabe o que está a fazer, do início ao fim, permitindo-nos, não só, uma experiência enriquecedora, como um aconchego dentro da própria capacidade de duvidar.

Tiago Ferreira

Rating: 3 out of 4.

IMDB

Rotten Tomatoes

One thought on ““Fracture”: O erro da perfeição

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