Com estreia no Festival Internacional de Cinema de Roterdão, onde ganhou o Prémio Especial do Júri, em 2019, “Take Me Somewhere Nice” foi descrito como “uma jornada através de uma visão pessoal única e muito precisa, repleta de humor e um profundo sentido de história”. É uma narrativa bastante carinhosa para a cineasta Ena Sendijarevic, que capta com a sua primeira longa-metragem o sentimento de deslocamento da protagonista e das pessoas com quem viaja.
Conhecemos a protagonista, de seu nome Alma (Sara Luna Zorić), filha de imigrantes bósnios a viver na Holanda, num vestuário a explorar o bolso da sua mãe. As finanças não parecem ser problema, no entanto, são questões de saúde que a afligem. Descobre que o seu pai distante – descrito pela sua mãe como um bastardo – está muito doente e, apesar de nunca o ter visto, insiste em ir visitá-lo à Bósnia. Apesar de ter conseguido licença, a condição era ficar com o seu primo Emir (Ernad Prnjavorac) enquanto está no estrangeiro.
Completamente desinteressado nela, Alma encontra conforto nos braços de um amigo mais atento, Denis (Lazar Dragojević). Depois de algumas desventuras, o trio irresponsável acaba por chegar ao hospital onde o pai da adolescente está hospedado.
É o estilo de esforço artístico que melhor se enquadra nos circuitos dos festivais de cinema europeu, onde a cineasta terá certamente muito sucesso em esforços posteriores. As especificidades da sua voz manifestam-se numa história coming-of-age sobre uma jovem à procura do seu lugar no mundo. Confusa e sem direção, Alma está repartida entre as suas origens bósnias e o país onde cresceu, um desarrumo mental comum e bem relatado por filhos de imigrantes que muitas vezes sentem uma estranha nostalgia ou ligação por algo que pouco ou nada experimentaram.


Contudo, este sentimento não é expresso com a melancolia que costuma assombrar estas histórias de auto-descobrimento. “Take Me Somewhere Nice” é alternativo, quer na sua imprevisibilidade narrativa como nos ângulos em que é filmado. Às vezes chega a ser cómico na forma como os acontecimentos curvam e moldam o enredo. E, apesar da história permanecer quase estacionária – algo que podia ter sido ligeiramente dinamizado na escrita – a viagem das personagens é cativante porque é primariamente emocional.
De certo modo, o filme, tal como as personagens, deriva de local em local, sem rumo definido. Empenhado em exibir pedaços de vidas onde a descoberta da sensualidade choca com a secura e insensibilidade das falas e expressões que são utilizadas. Porém, no decorrer do filme, Ena Sendijarevic consegue estabelecer um compromisso entre as personagens e a audiência, fertilizando o interesse pelo seu passado, presente e futuro.
Detalhes como o acumular de garrafões de água que Alma precisa para tomar banho de água limpa em Saravejo, ou os rufias que espancam Denis por usar as suas espreguiçadeiras de praia sem permissão, fazem referência a alguns dos aspetos mais desagradáveis deste país desconhecido para a protagonista. Habituada a outras vivências no conforto holandês, o trajeto inesperado da obra suporta a tentativa de harmonizar a vida de uma adolescente, cujo caminho prevê-se tão atribulado como o passado do seu país de origem.
Parabéns pela crítica! Li há pouco um romance ambientado na Bósnia em plena guerra separatista. Não assisti ao filme, mas pelo triller deu para ter a percepção sensorial aguçada e a história parece interessante!
Muito obrigado! Sim, pode dizer-se que a história surpreende várias vezes. Algumas pelo absurdo, outras pela comédia inesperada. Ena Sendijarevic é uma nova voz a seguir no campo da realização.