Uma série original Netflix, “BoJack Horseman” conta a história de um “homem-cavalo” que vive num universo onde animais e humanos partilham o mesmo palco, existindo sob formas mutantes e desvios biológicos de corpo de ser humano e cabeça de animal. Uma metáfora para a sociedade que está cheia de “animais”, pessoas que não revelam, nem esclarecem, nem justificam, o seu sentimentalismo e outras características humanas; uma metáfora bem conseguida, tanto pelo hilariante que traduz, como por uma vivacidade nova e interessante, bastante audaz e paradigmática.
É uma série de animação adulta, dramática e ao estilo americano, criada por Raphael Bob-Waksberg, que tem BoJack Horseman (voz de Will Arnett) como astro principal. Estamos a falar de um actor que teve imenso sucesso há umas décadas (anos 90) na série “Horsin’ Around”, familiar e num contexto de lines satíricas e de moldagem humana – e intelectual, claro –, mas que com o passar dos anos não usufrui de um legado muito consensual.

BoJack é depressivo, solitário, e sem tento na língua para dizer o que pensa, mesmo que isso fira o outro. Um complexo ser, repleto de crises existenciais, que se está completamente a marimbar para o mundo e é, simplesmente, ele próprio. O rosto de uma série bastante completa, que contempla sátira, sarcasmo, e uma crítica social que vai desde a depressão, o trauma, vício, comportamento auto-destrutivo, racismo, sexismo e, claro, a própria condição humana. Eis uma caricatura sobre a indústria do entretenimento, amplamente aclamada pela crítica, visível, por exemplo, pelo título “a melhor série de animação de todos os tempos”, dada pelo site IndieWire.
Com a ajuda de um amigo – humano –, Todd (voz de Aaron Paul) e da sua ex-namorada e agente – felina –, Princesa Carolyn (voz de Amy Sedaris), ele esforça-se para recuperar a sua carreira, a sua dignidade e a sua relevância mediática com uma biografia, criada sob a supervisão da sua ghostwriter, Diane Nguyen (voz de Alison Brie).
Além disso, muito da problemática diz respeito ao trio-amoroso
sentimental entre BoJack, Diane e Sr. Peanutbutter (voz de Paul F. Tompkins), um cão actor de uma sitcom dos anos 90, que claramente se trata de um plágio de Horsin’ Around. Esta dinâmica entre eles é bastante forte, pois BoJack tem sentimentos por Diane, e isso nem sempre vai ser bem gerido.
Entre a capacidade de darmos a volta (sentimental e emocionalmente), de sermos audazes para ir sempre em busca de elevar humanamente a nossa vida e não nos agarramos ao nosso ego, fazendo um retrato único e profundo de uma sociedade que mistura animais com pessoas, demonstrando, precisamente, uma diversidade de personalidades morais, valores e maneiras de viver a vida. Vale a pena mergulhar neste universo.

A trama da série é, à primeira vista, bizarra. Estamos a falar de um mundo onde todo o tipo de animais (humanos e não-humanos) coexistem, demonstrando uma índole de universidade, de diversidade e de empatia, como ideias basilares desta produção. Ou seja, estamos perante um mundo mágico, no qual todos nós podemos coexistir harmoniosamente, mas sempre, como em tudo na vida, com as claras vicissitudes adjacentes à nossa condição.
Neste sentido, BoJack, uma vez que a sua fama regrediu bastante desde o seu enorme sucesso, envergou por uma vida de álcool, drogas, relacionamentos supérfluos, tornando-se uma pessoa tóxica para os com quem está em redor. Desde início, fica claro que basicamente tudo em que BoJack toca (metaforicamente) se destrói por completo.
Mas aí está a verdadeira essência da série: todos esses seus problemas e particularidades é o que fazem dele um ser tão humano quanto nós. Na sua depressão e auto-destruição, encontra um apanágio célebre de uma hilariante sinceridade (sem filtros), onde todo o seu passado vai dar lugar e, a partir do momento em que ganha consciência, percebemos que esta série tem, precisamente, nas perdas, nos erros e nos eventuais acertos de BoJack a verdadeira mensagem desta produção. A mais pura beleza está na autenticidade.