Em 1818 a jovem Mary Shelley escreveu um drama gótico que foi descrito por um crítico da época como “ficção muito ousada”. Poucos anos depois, o livro deu origem a diversas peças teatrais e em 1910 foi feita a primeira adaptação cinematográfica do livro numa curta-metragem muda. 21 anos mais tarde, após o sucesso crítico e comercial de “Drácula” (1931), o realizador James Whale conseguiu a derradeira interpretação do monstro com o filme “Frankenstein, o homem que criou o monstro“. Não só fez do ator Boris Karloff uma estrela internacional, como criou a imagem da criatura que perdura na consciência popular mais de 85 anos depois.
O filme começa com um aviso a informar-nos que estamos prestes a testemunhar uma experiência aterrorizadora e que devemos abandonar a sala caso não estejamos preparados para o choque. É interessantíssimo como a primeira vaga de terror no cinema americano teve tanto impacto na cultura popular vigente. Atualmente, qualquer filme para mais de 12 anos tem mais conteúdo gráfico do que “Frankenstein”, mas continua a ter uma história com uma complexidade admirável e foi dos primeiros a ter a genuína intenção de intimidar.
Dr. Henry Frankenstein (Colin Clive) é obcecado pelo conceito de criar vida. As suas ideias perigosas levaram-no a sair da universidade, pois os cientistas não o deixavam progredir os seus estudos lá. Persistente, decide criar um laboratório num castelo isolado para continuar as suas experiências com corpos que roubava do cemitério. Numa negra e turbulenta noite, ele conseguiu animar um corpo composto por partes de pessoas diferentes, que o próprio cozeu. Mas o seu sucesso depressa se tornou em fracasso. Depois da criatura matar o seu assistente corcunda (Dwight Frye), o cientista percebeu que não a podia controlar, e com a ajuda do seu antigo mentor, Dr. Waldman (Edward Van Sloan), Frankenstein planeia eliminar o monstro.
Mesmo quem não é aficionado pelo género conhece vagamente esta história. Para além dos seus ecos reside um filme com imenso mérito próprio, principalmente pelo atrevimento de Whale em explorar ao máximo as oportunidades recém-descobertas pelo meio. Entre técnicas de montagem básicas, como close-ups e long shots, o destaque vai para a inovação dos movimentos da câmara, em contraposição a imagens paradas, que eram mais comuns na época. A combinação de sons como estrondos, pancadas e ruídos estranhos combinados com visuais enervantes como relâmpagos, energia das máquinas e sombras sinistras, toda a atmosfera evidencia uma forte componente do movimento expressionista alemão.
No campo das atuações não há elos fracos, mas existem duas performances memoráveis. Karloff, coberto de maquilhagem, faz com que o monstro seja temível e dócil ao mesmo tempo. Uma figura triste, trágica, que apesar do aspecto abominável é encarnada pelo ator com uma sensibilidade humana fundamental para a narrativa. O outro destaque é Colin Clive, que interpreta o cientista louco de forma vibrante e teatral, expressando nuances morais complexas.
Frankenstein é um clássico essencial. Repleto de cenas icónicas, mantém um apelo forte devido à sua realização arrojada e comentário social intemporal sobre a ambição desmedida do homem e os potenciais malefícios da ciência.