Quando falamos de um século de cinema, normalmente fazemos uma associação aos filmes de maior destaque, quer pelo seu alcance, quer pelo seu impacto, especialmente, no que diz respeito aos filmes inspirados em bandas desenhadas – com destaque para os filmes de super-heróis. Isto leva as audiências a ter uma perspectiva bastante limitada, pois estas não estão a dar o devido valor a outras obras de destaque. Existem, ao longo de uma década, muitos filmes que são autênticas “pérolas”, mas que o público não chega a admirar, visto que a sua atenção é captada pelas obras que conseguem um maior destaque comercial.
Para aqueles que tencionem saber mais acerca da última década de cinema, é necessário que incluam uma vasta quantidade de narrativas que fizeram parte deste período. Tendo isto em mente, segue-se uma lista elaborada pelo site Taste Of Cinema, que aponta o dedo aos 10 filmes mais subestimados nesta última década.

1.º “Mata-os Suavemente” (“Killing Them Softly”), Andrew Dominik (2012)
Inspirado no romance policial de George V. Higgins, de 1974, “Cogan’s Trade”, “Mata-os Suavemente” apresenta um elenco muito interessante, com destaque para Brad Pitt, James Gandolfini e Richard Jenkins. De referenciar uma tonalidade algo sombria ao longo da obra, que respeita a essência da obra de Higgins. Ao longo da película, seguimos três criminosos inexperientes e pouco inteligentes, que tentam enriquecer ao roubarem um jogo de poker, organizado por Markie (Ray Liotta), que não é de confiança. A máfia encontra-se perante uma situação de perda considerável de dinheiro, o que leva o mafioso Driver (Richard Jenkins) a contactar Jackie Cogan (Brad Pitt) para solucionar o problema.
Deve-se destacar as prestações cativantes dos seus atores, em especial, do já falecido James Gandolfini (Mickey). O seu desempenho é cativante ao longo da narrativa, através da componente emocional e do sincero arrependimento que este confere à personagem. A situação que nos é apresentada ao longo da história é bastante sombria, demonstrando-nos que as personagens envolvidas focam-se em resolver elas próprias os seus problemas. Outro factor interessante é a forma como se recorre à chuva, que é incorporada com a noite sombria, e que, em conjunto com o sangue jorrado nas cenas mais violentas, confere a todo este cenário uma brutalidade genuína. Outra característica importante da obra é a sua sonoridade, como a canção de Johnny Cash, When the Man Comes Around, que serve para nos apresentar Cogan. É um filme onde existe uma clara influência do seu realizador, Andrew Dominik, e que também por essa razão, serve como uma boa referência para a última década da sétima arte.

2.º “A Cidade Perdida de Z” (“The Lost City of Z”), James Gray (2016)
Este filme conta-nos a história verídica do explorador britânico Percy Fawcett (Charlie Hunnam), que é afectado pelo facto de ter nascido pobre, e mesmo enquanto oficial do exército, este não consegue chegar aos patamares mais relevantes da sociedade, o que o leva a recorrer a outras formas de elevar o seu nome e o da sua família. É durante uma missão no rio Amazonas, juntamente com o seu grande amigo Henry Costin (Robert Pattinson), que ele descobre os artefactos que iriam ter uma grande influência no seu futuro. Isso levou-o a acreditar que tinha encontrado o que restava de uma grande sociedade perdida no tempo. Contudo, a sua opinião foi repudiada por académicos.
No entanto, Percy, em conjunto com o seu filho, Jack Fawcett (Tom Holland), partem em busca do que ele refere como sendo “A Cidade Perdida de Z”. Uma exploração em que os dois acabam, após um encontro com os nativos, por desaparecer. Este é um filme introspectivo, em contraste com filmes de aventura como os de “Indiana Jones“, mas algo semelhante ao mais recente filme de James Gray, “Ad Astra” (2019), com Brad Pitt no papel principal. No entanto, estamos a falar de duas obras bastante distintas, já que, neste último, se aborda a exploração espacial. Na fase final do filme, Nina Fawcett (Sienna Miller) lê uma carta que demonstra, de forma clara, qual o sentimento presente nesta obra. Na sua jornada para descobrir a sociedade desconhecida, sobre a qual pouco se sabia, Percy Fawcett, e até o próprio realizador, legitimam esta como sendo uma aventura fulcral para a vida do explorador britânico, independentemente daquilo que pudesse ou não encontrar.

3.º “Macbeth”, Justin Kurzel (2015)
Fugindo ao estereótipo normalmente associado a um filme associado a Shakespeare, temos aqui uma narrativa menos teatral, e que nos mostra uma época medieval com mais brutalidade, reviravoltas sinistras e prenúncios de sofrimento. Temos como personagens principais Michael Fassbender (Macbeth) e Marion Cotillard (Lady Macbeth). Os dois estão bem um para o outro, no sentido em que as motivações para as suas acções detestáveis residem na sua avareza, e numa profecia de três bruxas que revelam a Macbeth que um dia este se tornaria Rei da Escócia. Essa ambição, em conjunto com a instigação que recebeu por parte da sua mulher, levou-o a matar o seu rei e a usurpar para si essa posição.
O cenário enevoado, em conjunto com as filmagens inquietantes, são interessantes por captarem a essência daquilo que é a obra e trabalho do escritor inglês. Este filme não é para qualquer tipo de pessoa, visto que não se preocupa em agradar um público-alvo específico, optando antes por contar a sua história de uma forma algo crua, mas que para as pessoas certas se torna numa experiência distinta e interessante.

4.º “A Desaparecida, o Aleijado e os Trogloditas” (“Bone Tomahawk”), S. Craig Zahler (2015)
“A Desaparecida, o Aleijado e os Trogloditas” é o filme de estreia do realizador S. Craig Zahler, e é uma obra imperdível para qualquer apreciador de westerns. A narrativa conta-nos a história de Arthur O’Dwyer (Patrick Wilson) que, apesar de ter uma perna partida, não tem outro remédio a não ser iniciar uma viagem para recuperar a sua mulher, Samantha O’Dwyer (Lili Simmons), além de outros habitantes, que tinham sido raptados por um clã canibal. Juntamente com ele, vão o Sheriff Franklin Hunt (Kurt Russell), o seu ingénuo adjunto Chicory (Richard Jenkins) e um conterrâneo excêntrico, John Brooder (Matthew Fox). Ao longo da sua jornada, estas personagens encontram uma série de dificuldades, começando pelo próprio terreno árido, além de alguns contratempos, incluindo uma emboscada. Nesta narrativa são-nos apresentadas imagens chocantes e um ambiente de violência. Contudo o seu ritmo vai, aos poucos, criando uma expectativa que acaba por culminar de uma maneira algo inesperada.
É clara a mescla entre western e horror, pelo que pode não apelar àqueles que sejam algo impressionáveis, mas não deixamos de ver uma história interessante e cativante. De forma algo inesperada, e apesar da sua grave lesão, acabaria por ser Arthur, com a preciosa ajuda do Sheriff Hunt, o grande herói da história. É importante destacar as prestações brilhantes dos já mencionados Richard Jenkins, Kurt Russell, e Matthew Fox, que atribuíram ao filme ainda mais relevância. Sendo também de referir que, apesar de alguns momentos agonizantes em que as personagens tinham receio de morrer, fugiu-se aos estereótipos de género. O produto final parece ter sido tratado com bastante cuidado, e, apesar de não lhe ter sido dado o devido relevo, esta é uma obra que tem todos os ingredientes para poder, no futuro, ser classificada como um filme de culto, no que aos westerns diz respeito.

5.º “The Master – O Mentor” (“The Master”), Paul Thomas Anderson (2012)
No seguimento do bem-sucedido “Haverá Sangue” (2007), um drama no qual podemos dar ênfase à presença de Daniel Day-Lewis, Paul Thomas Anderson apresenta-nos “The Master – O Mentor”, uma obra que transmite um efeito enganador ao público. Esta película apresenta-nos uma combinação impressionante, desde um excelente trabalho de cinematografia do já referido realizador, às impressionantes prestações dos dois principais atores neste filme: Joaquin Pheonix e Philip Seymour Hoffman.
Relativamente ao enredo, Freddie Quell (Joaquin Pheonix), um veterano da Segunda Guerra Mundial, que tem comportamentos algo erráticos derivados dos seus problemas com o álcool, sente dificuldades em se ajustar a uma vida pós-guerra. De forma algo inesperada, acaba por conhecer Lancaster Dodd (Phillip Seymour Hoffman), o carismático líder de um movimento conhecido como “The Cause”. Ao longo do tempo, Freddie vai confiando cada vez mais em Dodd, acabando por lhe revelar alguns detalhes mais macabros acerca do seu passado. Ao longo da narrativa, percebemos que Dodd não é uma personagem consensual, com o seu próprio filho Val (Jesse Plemons), a demonstrar apreensão relativamente a algumas das suas atitudes – algo que faz confusão a Freddie, já que este começa a ver Dodd como alguém em quem confia. Convém também destacar a música original que Jonny Grenwood, guitarrista dos Radiohead, escreveu em específico para esta obra. Por estes ingredientes, podemos considerar que esta é uma das obras de maior relevo da década, acabando por não receber o destaque que, claramente, merecia.

6.º “Green Room”, Jeremy Saulnier (2015)
“Green Room” segue o estilo muito próprio do seu realizador, já presente na sua obra anterior, “Ruína Azul” (2013), que é caracterizado por uma mescla entre cor e brutalidade. Se no thriller “Ruína Azul”, o azul representava a degradação completa da vida da sua personagem principal, em “Green Room” temos uma obra de horror, onde o verde, por sua vez, representa as provações extremas pelas quais, as suas personagens vão passando. A narrativa aborda uma banda de punk rock, sem grande expressão, presa num clube privado nas florestas de Portland, a maior cidade do estado do Oregon. Após terem assistido ao assassinato de uma rapariga chamada Emily (Taylor Tunes), por parte de um neo-nazi, este grupo acaba por se tornar num alvo a abater por parte dos elementos do gangue.
O seu baixo orçamento, algo que já se havia verificado em “Ruína Azul”, não é entrave para um filme que presenteia o seu público com personagens cujas histórias parecem autênticas, apesar da violência e terror presentes serem de elevada importância para o desenrolar dos acontecimentos. Dos cinco elementos integrantes da banda, apenas dois, Pat (Anton Yelchin) e Amber, (Imogen Poots) conseguem sobreviver. De forma a contrastar com a sua componente assustadora, existem momentos em que a narrativa segue uma componente mais cómica, que apesar de ténue, é pouco característica neste tipo de filmes. Apesar de poder ser incompreendida por alguns, esta obra brinda-nos com 95 minutos que se destacam pela sua qualidade de filmagem e produção.

7.º “Reino Animal” (“Animal Kingdom”), David Michôd (2010)
O argumento da obra de David Michôd baseia-se em acontecimentos relacionados com uma família de criminosos, os Pettingill, de Melbourne, na Austrália. O primeiro destaque que podemos atribuir a este drama policial é o seu elenco, do qual se destacam nomes como: Joel Edgerton, Jacki Weaver, Ben Mendelsohn e Guy Pearce. A história aborda Joshua “J” Cody (James Frecheville), um jovem de 17 anos, que após a morte da sua mãe, se vê envolvido no seio de uma família criminosa. Porém, e apesar de à primeira vista nos serem apresentadas pessoas sem qualquer tipo de escrúpulos, estes marginais não deixam de ter os seus propósitos e as suas motivações, que por muito desvirtuados que possam ser, se alinham na perfeição com as personagens a que se associam.
Este filme serviu de inspiração para uma série americana que, tal como o filme, também se chama “Animal Kingdom”, mas cujo foco se centra nas questões mais óbvias da obra de Michôd. O ser australiano, e pertencer à IFC Films, fez com que a distribuição do filme fosse muito reduzida, sendo que perdeu muita da audiência normalmente adepta de filmes mais comerciais. O que acaba por ser injusto para um filme deste calibre, que é atestado pelas nomeações e prémios recebidos, incluindo, a nomeação de Jacki Weaver como Melhor Atriz Secundária para um Globo de Ouro e para um Óscar.

8.º “Ele Vem à Noite” (“It Comes at Night”), Trey Edward Shults (2017)
“Ele Vem à Noite” estreou-se no Overlook Film Festival, no estado do Oregon, a 29 de abril de 2017. A obra de Trey Edward Schults pega num estilo por norma dominado pelo espectáculo visual, e dá-lhe um contexto distinto ao colocar um foco reduzido no perigo aqui existente. Tal leva a um incremento do mistério. Perante uma doença contagiosa que aterroriza o mundo, Paul (Joel Edgerton), a sua mulher Sarah (Carmen Ejogo) e o seu filho adolescente Travis (Kelvin Harrison Jr.), isolaram-se numa casa nas profundezas da floresta, mas acabam por receber a visita inesperada de uma família à procura de um refúgio. A rivalidade entre as personagens vai-se incrementando a partir do momento em que a situação se agrava.
Existe, no entanto, alguma controvérsia em volta do filme, pois a sua distribuidora, a A24, classificou-o como sendo de terror quando se trata de um drama com carácter essencialmente emotivo. Claro que, o facto de a narrativa se desenvolver num cenário apocalíptico, vem dar à obra um tom mais carregado e sombrio. No entanto, se o espectador estiver à espera de um thriller artístico e suave, não irá sair desapontado.

9.º “Uma Lista a Abater” (“Kill List”), Ben Wheatley (2011)
Estamos perante um thriller violento e incapaz de deixar alguém indiferente. As suas filmagens ocorreram na cidade inglesa de Sheffield, mas, devido ao facto de ser um filme estrangeiro, não obteve grande reconhecimento e não conseguiu igualar o seu pequeno orçamento (cerca de 800 mil dólares). “Uma Lista a Abater” conta-nos a história de um ex-soldado, Jay (Neil Maskell), que se torna num assassino profissional e mergulha nas profundezas da miséria humana. Oito meses após um assassinato falhado, que o deixou física e psicologicamente abalado, Jay é convencido pelo seu sócio, Gal (Michael Smiley), a aceitar uma nova missão que o transporta para um mundo excêntrico e aterrador, o que eventualmente levou Jay a atingir o seu ponto de ruptura. Essa missão envolvia uma lista de pessoas a abater, obtida através de um cliente (Struan Rodger). Essa lista continha três alvos: um padre, um bibliotecário e um membro do parlamento, e é daqui que vem o nome do filme. O cliente, de forma algo inesperada, cortou a sua mão e a de Jay, pelo que o pacto foi assinalado com sangue. Trata-se de uma obra onde as cenas arrepiantes, e as situações a elas associadas, podem ser algo desagradáveis para certas pessoas, mas não para um público mais específico.

10.º “Calvary”, John Michael McDonagh (2014)
O drama “Calvary” teve a sua estreia no Sundance Film Festival, a janeiro de 2014, e no mês seguinte, no 64º Berlin International Film Festival. A narrativa conta-nos a história do simpático padre James (Brendan Gleeson), que após uma ameaça de morte, sente forças de carácter tenebroso a envolvê-lo. Este facto ocorreu durante uma confissão, mas o padre não conseguiu identificar de forma clara e evidente quem era esta pessoa que o intimidou. Isto leva o padre a reflectir sobre qual dos seus paroquianos pretende atentar contra a sua vida. Existe aqui uma mistura entre o drama que James, um ex-alcoólico, está a sofrer e uma componente mais humorística que é visível, nomeadamente, nas pessoas que com ele convivem. Deve-se destacar também a presença de Domhnall Gleeson, filho mais velho de Brendan, que desempenha o papel de Freddie Joyce, um assassino. Outra questão que também é abordada é a tentativa de suicídio da filha de James, Fiona (Kelly Reilly), que leva a uma reaproximação dos dois.
O filme dirigido por John Michael McDonagh desenrola-se à volta da temática da introspecção, o que, em conjunto com a atmosfera sombria, nos dá ingredientes ideais para tentarmos perceber o que se passa na mente do protagonista. Contudo, também não é uma obra excessivamente mórbida, sendo que as particularidades de algumas das personagens secundárias cumprem a função de nos abstrair desta característica. Não só pelo mistério, podemos afirmar que esta obra, apesar de pouco conhecida, merece definitivamente uma maior atenção e crédito por parte dos verdadeiros admiradores da sétima arte.