O cinema argentino, juntamente ao chileno, é um oásis neste grande deserto de ideias que é a América do Sul. Neste “Las viudas de los jueves”, do realizador Marcelo Pineyro, com duração de 2h02min, lançado em 2022 na Netflix, o impacto é brutal. O suspense é estrelado por Ernesto Alterio, Juan Diego Botto, Pablo Echarri, Leonardo Sbaraglia, Gloria Carrá, Ana Calentano, Juana Viale, entre outros.
Num condomínio fechado de Buenos Aires (Altos de la Cascada) vivem famílias abastadas e outras nem tanto, tendo que se equilibrar o tempo todo no jogo das aparências. O mistério apresenta-se no facto de três homens se terem afogado na piscina e a principal suspeita é de eletrocussão, uma vez que um aparelho de som três em um estava na borda e caiu na água.

Em flashbacks vamos nos inteirando das personalidades dos vitimados. Tano (interpretado por Pablo) é o macho alfa que não gosta de perder. Securitário, disputa acirradas partidas de ténis e é um empreendedor nato, regando a sua vida com bebida e carteado, no encontro com os amigos às quintas, quase um ritual. Descobre a depressão da esposa topando-a sem querer com uma cartela de Prozac e percebe que o casamento se sustenta apenas por companheirismo. O tesão acabou faz tempos. Sendo o alfa, pode fazer flirt com uma vizinha e ser o objeto de desejo de outras. Tudo fachada.
Gustavo (interpretado por Juan Diego) é o recém morador que carrega um histórico de violência doméstica e faz tratamento para domar o seu exacerbado ciúme. Ronnie (interpretado por Leonardo) vive sem trabalhar, sustentado pela esforçada esposa e vez ou outra tem crises de consciência. É pai de um adolescente que está a descobrir as coisas da vida, encerrado no seu mundinho de computador trancafiado no seu quarto. Se permite a amizade com uma diabinha, revoltada com os muros da prisão do condomínio e que aproveita para enrolar um baseado num dos pontos cegos do lugar. Do tipo intratável, desanca o pai, Martin (interpretado por Alterio), que esconde uma doença e vez ou outra sangra pelo nariz.

O pano de fundo é a capital argentina do ano 2001, quando uma grave crise económica colapsou o sistema bancário e isso afetou em muito a vida dos cidadãos. Numa das conversas, os ricos entendem que necessitam de um país sério, com mais estabilidade, e chegam à conclusão de que a saída é sempre o aeroporto. Esta parte tocou-me profundamente, pois na verossimilhança o continente sul-americano, salvo raras exceções, nos indicam isso ainda hoje.
No entendimento de que o tempo está passando rápido, em duas décadas observamos as mudanças nos computadores, telemóveis, aparelhos de som, e tudo isso compõe já um quadro vintage interessante.
O título expresso na película refere-se ao encontro das esposas que sempre futricam num restaurante, aproveitando a folga obtida pelos esposos. Foram apelidadas assim, “as viúvas de quinta” e discorrem sobre sexo, desejos, sentimentos e status.
Se a causa mortis foi facilmente revelada, os bastidores só nos são apresentados ao final, deixando-nos com o queixo na mão e entendendo que fomos submetidos a um enredo intrigante, existencialista e melancólico – o qual caixas e caixas de Prozac não dariam conta.

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