As obras cinematográficas relacionadas com o exorcismo, um ritual obscuro da Igreja Católica, são incontáveis, variadas e remontam aos anos 70 com o nascimento de “O Exorcista” (1973), aquela que viria a ser uma referência icónica contemporânea. Porém, as obras mais recentes têm vindo a adotar um conceito muito previsível e um tom muito semelhante, de tal forma que tem sido difícil surgir um verdadeiro destaque dentro do género. Felizmente, em 2023, surge “O Exorcista do Vaticano” – título em português -, realizado por Julius Avery, uma longa-metragem que poderá vir a ser um ponto de viragem nos exorcismos da sétima arte.
Russell Crowe, o eterno Gladiador, interpreta o papel de Padre Gabriele Amorth, o principal exorcista do Vaticano e um tanto diferente do típico sacerdote misterioso, de rosto indecifrável e exageradamente religioso. O Padre Amorth é, na verdade, mais descontraído, com bom sentido de humor e um bom coração torturado, o que, desde logo, nos permite conectar com o personagem ao nível espiritual que é preciso para realmente entrar no ambiente sombrio do filme.

“O Exorcista do Vaticano” acompanha uma família americana constituída por uma mãe, Julia (Alex Essoe) e os seus filhos Henry (Peter DeSouza-Feighoney) e Amy (Laurel Marsden) que, após a morte traumática do pai, se mudam temporariamente para uma abadia em Espanha que herdaram com a intenção de a renovar e vender. No entanto, o que a família não sabe é que nesse local sagrado estão guardados segredos da Igreja, presos por vários séculos com o objetivo de nunca serem libertos. No entanto, com as obras a remexerem as paredes e a revelarem os seus mistérios, algo escapa e adquire forma.
Entretanto, o jovem Henry sofre fortes convulsões inesperadas, mas que, para os médicos, nada mais serão senão stress pós-traumático – graças ao ter assistido à morte do pai. Quando as convulsões passam de uma manifestação de saúde para uma manifestação demoníaca, a presença de um padre é invocada pela entidade que se havia apoderado do corpo inocente da criança. O sacerdote local, o Padre Esquibel (Daniel Zovatto) desloca-se então à abadia, mas é bruscamente recusado pelo demónio, pelo que o Padre Amorth é levado a Espanha, a pedido do próprio Papa.
Com Amorth em cena é inevitável o que se passa com Henry: uma possessão demoníaca, que rapidamente se demonstra extremamente avançada e imparável, pelo que é imperativo agir o quanto antes. Este é um demónio astuto que, por ser poderoso, sabe muito mais do que deveria, e utiliza as suas artimanhas do engano e da perversidade para explorar os pecados não confessados e não perdoados dos dois padres que o tentam aniquilar. Esta missão de exorcizar a criança do demónio leva os padres Amorth e Esquibel a explorar as catacumbas seladas da abadia, onde encontram um cenário que remonta à Inquisição Espanhola e que apresenta uma verdadeira guerra entre demónios e sacerdotes.

Esta película vence, desde logo, muitos outros filmes do género pelos esclarecimentos constantes em relação ao ritual do exorcismo. O Padre Amorth tem uma visão muito clara do que acredita ser a luta literal entre o Bem e o Mal, ao passo que outros sacerdotes, e mesmo os seus superiores, acreditam que o Diabo e o Mal não passam de metáforas religiosas. Assim, ele explica-nos que a maior parte do que se poderia pensar serem possessões demoníacas são, na verdade, manifestações de doenças mentais ou traumas, o que, no entanto, não faz com que deixem de existir verdadeiras possessões, estas apenas são mais raras. Para além disso, explica-nos ainda para que servem as artimanhas das entidades.
No típico filme de terror, os demónios possuem, arremessam as pessoas contra paredes, mexem e partem objetos, etc., puramente pelo caos e pela vontade de magoar, pensamos nós. No entanto, em “O Exorcista do Vaticano”, todo esse caos não serve senão para distrair os padres e os impedir de descobrirem o nome do demónio, que é o que permite obter poder sobre ele e, assim, expulsá-lo.
Para além da parte didática, a obra tem também uma contextualização histórica muito bem explorada, o que permite abordar o período mais negro da história da Igreja Católica, a Inquisição, fazendo ainda referência a um episódio bíblico relativo aos anjos expulsos do céu.

Por fim, é um filme bonito, não pela imagem, mas pelo texto. Padre Amorth, para além de um bom senso de humor, tem uma sabedoria espiritual que não se limita aos ensinamentos católicos, mas também aos ensinamentos do coração. Alimenta-nos constantemente de diálogos sobre perdão, coragem, resiliência e, acima de tudo, amor, aqueles que deveriam ser os verdadeiros e inabaláveis preceitos de qualquer religião. Russell Crowe é um talento incomparável e é mágico vê-lo interpretar tão bem este papel (e com tamanha entrega). Principalmente na parte final, numa batalha épica entre o Bem e o Mal, entre o passado e o presente, no mesmo palco de há séculos atrás.
“O Exorcista do Vaticano” pode parecer, para os menos atentos, um filme de terror banal, quando, na realidade, é mais profundo do que muitos outros, mostrando não só uma boa história de terror, mas também uma história de pessoas que aprendem a perdoar(-se) e a libertar-se de dores passadas, acedendo à resistência incomensurável que o ser humano tem (e que muitas vezes não o sabe) e ao amor inacabável que nos liga uns aos outros (sem também sabermos).
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