Depois de um breve, mas eficiente desvio pelo universo dos super-heróis com “Doutor Estranho“, 2016, o cineasta Scott Derrickson retorna ao género pelo qual ficou conhecido com “The Black Phone” – em português “O Telefone Negro“, 2022. Numa mistura de true crime com terror sobrenatural, a longa-metragem recupera um estilo visual retro e aplica-lhe uma história que, apesar de precisar de um sério polimento, apresenta-se confiante quer na execução das sequências de maior suspense como também na passagem de uma mensagem de maturidade e unidade.
A ação tem lugar no final dos anos 70, em Denver, nos Estados Unidos, onde os protagonistas, Finney (Mason Thames) e a sua irmã, Gwen (Madeleine McGraw), receiam duas coisas: O Sequestrador (Ethan Hawke), uma figura enigmática que muitos apontam ser a responsável por um rasto de crianças desaparecidas, e o próprio pai (Jeremy Davies), que os açoita cada vez que as habilidades psíquicas da sua mãe defunta se manifestam nos filhos. Contudo, são estas capacidades paranormais que podem revelar-se essenciais para lidar com a desgraça de Finney, que é raptado e preso numa cave à prova de som, onde um telefone desligado o coloca em contacto com vítimas do passado.

Com base no conto de Joe Hill, filho de Stephen King (o que explica diversas referências, desde o pai alcoólico até aos elementos mais pesadelares), o filme respira o mesmo ar que “It” (2017), de Andy Muschietti, na medida em que entrelaça na narrativa um elenco juvenil em anos não muito distantes dos nossos e encena o sequestro por uma representação maligna que carrega consigo balões pretos – um símbolo de infância perdida.
Como se não bastasse, os seus valores são, no mínimo, semelhantes, pois da mesma forma que as crianças em “It” devem unir esforços para derrotar o medonho Pennywise, também em “The Black Phone” está expressa de forma fantasiosa a ideia de que, em certos contextos, as crianças devem aprender a desembaraçar-se de situações que não são de todo as ideais.
A propósito do inóspito, o antagonista mascarado começa por manifestar-se à la Michael Myersem “Halloween” (1978), como se fosse apenas mais um componente de fundo: a sua carrinha preta arranca no final de uma cena; os cartazes e a quantidade de crianças desaparecidas cresce em número. O que se segue é uma interpretação estratificada de Ethan Hawke, que Derrickson recupera depois da sua colaboração em “Sinister – A Entidade“, de 2012. Bastante teatral e enigmático, o cerne do seu psicológico fica inteiramente ao arbítrio do espetador. Uma possível teoria prende-se com o facto de, enquanto criança, o próprio Sequestrador possa ter sofrido abusos naquela mesma cave, reforçando o paralelismo entre a personagem e o pai dos protagonistas.

Sendo certo que “The Black Phone” justifica o género em que se insere com uma situação horripilante e um par de sustos meritórios, é enquanto thriller que está no seu melhor. Exemplo disso é, precisamente, quando Finney tenta escapar e os planos exploram a profundidade de campo entre o bravo rapaz e O Sequestrador aquando do destrancar de um cadeado. Para logo de seguida explodir uma adrenalina imensa que nos deixa completamente fixados ao grande ecrã. É certo que, mesmo nestes momentos, não deixa de ser um quanto ou tanto derivativo, mas recusa-se a resumir-se a uma réplica mecânica das suas influências e, em última instância, assume a prioridade de entreter.
No entanto, o resultado final acaba por ser menor do que a soma das partes por uma série de motivos: no que diz respeito às personagens, tanto Gwen como o irmão do Sequestrador (James Ransone) estão subdesenvolvidos, sendo este último um autêntico apêndice; a introdução promete um desenrolar e culminar mais provocadores do que se verifica, deixando lentamente que a criatividade se transforme na monotonia da repetição; alguns eventos pressupõem um elevado grau de suspensão de descrença, por exemplo, a inabilidade operacional da polícia (existem assim tantas carrinhas pretas naquele raio?) que se estende ao facto de terem uma participação acessória na narrativa.
Tudo isto para sublinhar que, embora seja um bom exercício de suspense com interpretações dignas, encabeçadas por um Ethan Hawke no papel mais ameaçador da sua carreira, “The Black Phone” peca por excesso de simplicidade. Ainda assim, caso o telefone toque e o filme esteja do outro lado da linha, recomendo que o atendam. Não vão ouvir nada de revolucionário, mas no pior dos cenários podem segredar-vos vocábulos de pavor ou gritos horripilantes de crianças que já não vivem entre nós.
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