“Ex Machina” (2014) conta a história de Caleb (Domhnall Gleeson), um jovem programador que vence um concurso, recebendo a oportunidade de testar uma inteligência artificial, Ava (Alicia Vikander), criada por Nathan (Oscar Isaac), um brilhante e recluso bilionário. Porém, conforme os testes progridem, Caleb descobre que Ava é tão sofisticada e imprevisível ao ponto deste não saber mais em quem realmente confiar. O filme é escrito e realizado por Alex Garland.
De facto, “Ex Machina” tem imensa profundidade e fundamento intelectual, filosoficamente falando, muito por conta da excelente construção das suas personagens principais. Além disso, as suas variantes temáticas remetem para produções como “Uma História de Amor” (2013) – na medida em que o nosso protagonista desenvolve uma relação romântica com um sistema operativo – e “Westworld” (2016 – ) – onde há a construção de um mundo de robôs, nomeadamente um “parque” aberto ao público.
Efetivamente, quando estamos a falar sobre inteligência artificial ao mais alto nível, como é aqui transposta, percebemos que o maior conflito entre o humano e a ‘máquina’ se prende com a vertente da liberdade de escolha, o que pode gerar, por parte do sistema não humano, uma determinada revolta. Com isso, questões como a consciência e a capacidade de abraçar sentimentos pessoais e individuais (não programados) são exploradas de forma brilhante ao longo da obra.

Muito contribui também, para adensar intelectualmente o filme, os diálogos entre Ava e Caleb, que ao longo de uma semana está a tentar perceber se, de facto, Ava tem uma real consciência e se é, em certa medida, livre de fazer as suas escolhas, independentemente daquilo para a qual foi programada. Ou seja, existe um certo grau de intelectualidade em “Ex Machina” muito atrativo, que é imortalizado através de questões filosóficas como: “em que ponto é que a nossa liberdade começa e acaba?“; “porque é que os robôs têm menos liberdade do que os humanos?“; “até que ponto nós, humanos, temos realmente uma consciência e não estamos todos programados?“.
Por outro lado, “Ex Machina” tem um problema que reside no seu final, na medida em que desperdiça uma oportunidade interessante de desenvolver mais profundamente a relação entre Caleb e Ava, questão que a película tende a ignorar. Desta forma, o nosso protagonista é sacrificado em prol de uma mensagem; mensagem, essa, que resulta, ainda que os fins não justifiquem os meios. O filme entra naquele sector engraçado de casos onde consegue atingir um nível imensamente alto ao longo da narrativa até se dar como terminado, o que é uma pena, uma vez que não termina de uma forma globalmente satisfatória.
No entanto, nada que retire a “Ex Machina” a sua magia e que fira a experiência bastante positiva que esta longa-metragem possibilita. Sendo que Nathan, o nosso “vilão” – se o podemos intitular desta forma –, está deveras bem construído, possibilitando, com este trio de personagens emblemático, que se acrescente muito, cinematograficamente falando, ao filme a partir do character development que o mesmo assegura.

Posto isto, os diálogos, as tensões e até mesmo o subtil plot-twist reconfiguram este filme, dando-lhe uma dinâmica muito própria e completa; conseguindo “Ex Machina”, mesmo sendo um thriller dramático, através da sua comédia refrescante em certos momentos, tornar esta experiência bastante completa como um todo.
Assim, “Ex Machina” é uma obra para ser saboreada e entendida aos poucos, à medida que se vê, com uma sensação genuína de contínua descoberta. Através das suas inúmeras camadas e da sua imprevisibilidade percebemos a sua maior metáfora: o excelente e inteligente contraste de atmosferas entre o interior (onde Ava reside) e o exterior (onde os humanos podem ir). No exterior há luz, há vida, e tudo é real e palpável, enquanto que dentro do “laboratório” o ambiente é claustrofóbico, pesado, escuro e falso.
Por um cinema feliz.
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Importante realçar que o ponto de origem desta obra será o filme de estreia de Michael Crichton : Westworld (1973). Sem esta obra de grande importância histórica e cultural, não haveria a série nem nada em volta da semiótica dos parques temáticos com robots. É um erro ir buscar a fonte mais mainstream, mais recente quando a base é a obra de 1973.