No Brasil, o género crónica sempre foi bastante popular. Coisa de jornal mesmo, mesmo que no dia seguinte o papel servisse para embrulhar o peixe. Analogamente, é aqui comparada à fruta laranja. Pode não ter o status de uma maçã ou de uma pêra, mas é nutritiva com a sua rica fonte de vitamina C. Particularmente, valorizo e aprecio bastante as laranjas.
O livro “Nunca subestime uma mulherzinha – contos e crónicas” (Editora Panda Books, 2007, 135 páginas), de Fernanda Takai, cumpre bem este papel de ser uma boa laranja. Com textos publicados originalmente nos jornais “Estado de Minas” (de Belo Horizonte) e “Correio Braziliense” (de Brasília), a vocalista da banda pop rock Pato Fu (a qual já tive a primazia de entrevistar para a Revista Conhece-te) transforma-se numa boa contadora de causos.
O universo íntimo e familiar sobressai-se nos escritos, bem como reminiscências que nos fazem viajar pelo interior da Bahia a Nova Lima e Belo Horizonte, assim como excursões a Portugal e ao Japão. Aliás, salientar que Fernanda é descendente de japoneses, e vem da Terra do Sol Nascente várias das marcas do seu trabalho como cantora e escritora.

A experiência de ser mãe, a descoberta de pratos culinários e alguns perrengues na estrada com o Pato Fu, as idiossincrasias do grupo e do esposo e guitarrista John, tudo isso perfaz o caldo das letras contidas no livro. Com uma seleção honesta de crónicas, algumas até pueris, o livro embala-nos solenemente até com a leveza de se o ler na casa-de-banho, sem desconsiderar o talento da autora.
Indo mais além, sendo um retrato de uma época, o livro dá-nos saudade de uma altura em que o grande “Estado de Minas” privilegiava um cronista diário no seu caderno de cultura, valorizando a literatura nas suas páginas. Houve uma época em que até assinei o jornal devido a isso, numa época anterior a Fernanda. Nos idos de 2005 houve uma reformulação na equipa de colunistas e apareceu o brilhantismo de Fernanda, mas o certo é que crónicas literárias neste jornal transformaram-se em artigos de luxo, quase exceção.
De certo que este catado (no bom sentido) de crónicas de Fernanda Takai na caprichada edição da Panda Books permite-nos um refrigério destes assuntos comezinhos e intolerantes de ideólogos politiqueiros e chatos de redes sociais. Aqui a cultura transforma-se em literatura fina, mesmo que seja uma deliciosa laranja.

Se queres que OBarrete continue ao mais alto nível e evolua para algo ainda maior, é a tua vez de poder participar com o pouco que seja. Clica aqui e junta-te à família!