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“Oxenfree” é um jogo que merece ser analisado, sobretudo, pela maneira como permite jogar com diálogos. Não é novidade nenhuma que nos vários meios de entretenimento as pessoas raramente conversam entre si tal como o fazem na vida real. É algo que o consumidor de entretenimento já está habituado e que tipicamente não lhe causa muita angústia. Dificilmente alguém vai criticar uma peça de teatro porque a entoação de um ator não é realista, e já estamos de tal modo habituados a ver no cinema personagens que nunca se enganam ou gaguejam para que esse irrealismo possa ser fruto de objeções. Afinal, pode ser argumentado que nem sempre a arte tem de imitar tão cabalmente a vida.

No mundo dos videojogos, a problemática pode ser analisada ainda mais a fundo, sobretudo nas cenas de jogabilidade em que, por exemplo, o jogador tem de escolher uma entre várias opções de resposta. Nestas situações, tipicamente são apresentadas no ecrã algumas soluções e os botões correspondentes para cada uma, tendo o jogador um tempo limite para responder. São momentos em que o interlocutor aguarda quase sempre impávido e sereno, quer o jogador demore meio segundo ou dez a responder, algo que não é de todo realista, mas que, novamente, se aceita como norma.

Alex (Erin Yvette) e Jonas (Gavin Hammon) – protagonistas de “Oxenfree”

Precisamente por essa razão é que o jogo indie “Oxenfree” se sente como uma lufada de ar fresco na forma como lida com os diálogos. Antes de explorar esta ideia, importa perceber de que género de jogo se está a falar. “Oxenfree”, desenvolvido e lançado em 2016 pela Night School Studio, pode ser situado no género de aventura e thriller, com grande ênfase na sua vertente narrativa. A única personagem controlável é Alex (Erin Yvette), uma adolescente que parte para um fim de semana festivo na ficcional Edwards Island, juntamente com o seu amigo Ren (Aaron Kuban) e o seu meio-irmão Jonas (Gavin Hammon). Já na ilha encontram-se com os restantes elementos do grupo, Clarissa (Avital Ash) e Nona (Brittani Johnson).

Depois do grupo se separar algures durante a noite, Alex inadvertidamente abre um portal interdimensional com o seu rádio, um acontecimento que atrai uma força sobrenatural para a ilha e que grupo terá que encontrar maneira de travar. Todo o jogo é construído à volta de um sistema de “conversas em andamento”, em que, mesmo nos momentos de diálogo (que consistem em vários balões com opções de resposta que aparecem em cima de Alex) a protagonista tem liberdade para se movimentar e explorar a ilha.

Desde a primeira cena, nota-se o cuidado que houve em tentar tornar as conversas o mais naturais possível. Em primeiro lugar, como já foi mencionado, a personagem Alex fica presa na conversa e pode fazer outras ações enquanto responde às perguntas que lhe são colocadas (ou até nem chegar a responder). Além disso, o timing da seleção de uma resposta pode ser feito de forma deliberada para interromper o diálogo de outra personagem, seja para evitar responder a uma questão ou mudar para outro assunto mais relevante.

Neste aspeto, os desenvolvedores também tiveram a capacidade em dar poder aos interlocutores para retomar conversas interrompidas, quando estas se revelam extremamente importantes, com simples adições do género “como eu estava a dizer…” (uma técnica que, ultimamente, muitos jogos AAA têm seguido).

O aspeto diferenciador de “Oxenfree” é a forma como lida com a escolha dos diálogos

Estas características tornam as conversas muito próximas daquilo que seriam num contexto real, sem a rigidez que os sistemas de escolha de diálogos costumam acarretar. É uma abordagem que funciona extremamente bem numa narrativa teen, mas que poderia perfeitamente servir outros jogos que se apoiam fortemente em diálogos. Neste aspeto, o único ponto fraco desta mecânica é alguma inconsistência na escolha do diálogo: por vezes esta interrompe imediatamente a outra personagem, noutras espera que esta termine de falar.

No geral, este trunfo do jogo é felizmente bem aplicado pois, diálogos à parte, o jogo tem muito pouco de interação. Sem contar com o indispensável movimento da personagem, a única forma de interação prende-se com o uso de um rádio, que pode ser utilizado para consultar certas frequências e com isso resolver puzzles simples. Embora a narrativa geral seja algo linear, a escolha dos diálogos pode alterar drasticamente o final da história, sobretudo as relações entre os elementos do grupo, uma característica que acaba por fomentar novos playthroughs.

Também outros fatores como a excelente banda sonora original criada para o jogo e um fantástico voice acting farão certamente com que o jogador tenha todo o prazer em revisitar frequentemente “Oxenfree”, que usa acertadamente o meio dos videojogos para contar uma das melhores narrativas interativas dos últimos anos.

Disponível em: Android, iOS, Linux, MacOs, Nintendo Switch, PS4, Windows, XBox One.

Luís Ferreira

Rating: 3 out of 4.

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One thought on “Jogo: “Oxenfree” – Jogar com os diálogos

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