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Porque A Arte Somos Nós

Na terra dos sonhos (“Dreamland“), Hollywood, podemos encontrar a retrospectiva da história da humanidade contemporânea, onde tudo é possível, e onde todos os sonhos se tornam realidade. “Hollywood”, a série da Netflix criada por Ian Brennan e Ryan Murphy – também responsáveis pela série “Glee” (2009-2015) – dão-nos uma visão demasiado optimista, mas pertinente, do meio cinematográfico no Pós-Segunda Guerra Mundial.

Entre os muitos intervenientes, a história toma como ponto de partida a personagem Jack Castello (David Corenswet), um jovem destacado na Guerra que, na companhia da sua namorada Henrietta (Maude Apatow), parte para Hollywood na esperança de conseguir entrar na indústria cinematográfica. Como seria de esperar, a concorrência é feroz, e Jack tinha contas para pagar.

É aqui que entra em cena Ernie West (Dylan McDermott), o dono de uma bomba de gasolina com pinta de gigolo, que personificava na perfeição todo o charme do produto “Hollywoodesco“. Ernie, para além de gerir uma simples gasolineira, é um caça talentos nato, e Jack foi a sua aposta certeira. Contudo, os serviços oferecidos no novo posto de trabalho do aspirante a ator transcendem o simples acto de meter combustível. Paralelamente, o local funciona como uma espécie de rede de prostituição para satisfazer as inúmeras fantasias de homens e mulheres.

Raymond Ainsley, Jack Castello e Archie Coleman (da esquerda para a direita)
Camille Washington no filme “Meg”

Este espaço é o verdadeiro despoletar de toda a narrativa, pois é aqui que todas as personagens principais se interligam numa questão de três episódios. No grupo de jovens sonhadores temos Raymond Ainsley (Darren Criss), Archie Coleman (Jeremy Pope) e Roy Fitzgerald (Jake Picking), que por variadas razões, acabam todos por partilhar um caminho: “Peg”. Todos com funções diferentes: Raymond é realizador, Archie é argumentista, e Roy é o famoso ator Rock Hudson.

Todos se encontrariam nos estúdios da produtora Ace Pictures, dirigida por Ace Amberg (Rob Reiner), que retrata uma indústria conservadora e totalmente focada nos números. Responsáveis pelo início da magia estão Dick Samuels (Joe Mantello) e Ellen Kincaid (Holland Taylor), que representam dois agentes já com bastante experiência do mundo da sétima arte, mas que ao mesmo tempo estão dispostos a receber novas ideias, a desafiar poderes superiores e, mais importante, a lutar contra as suas opressões.

Conseguir o papel de um simples figurante era já algo de valor em Hollywood. Jack Castello, de forma bastante previsível, envolve-se com alguém de poder no seio da Ace Pictures: a mulher de Ace Amberg, Avis Amberg (Patti LuPone). Esta foi a sua porta de entrada para o mundo do espetáculo, e só faltavam os seus “companheiros”. Esses chegaram por diferentes vias, pondo em marcha um filme que iria mudar por completo a indústria cinematográfica. “Peg”, visto como uma provocação, teve de enfrentar vários obstáculos, até mesmo o do fogo.

É a partir deste ponto que a série nos atira à cara todas as lutas e toda a hipocrisia vivida na América no fim da década de 1940. Questões raciais e de homossexualidade são temas recorrentes em todos os episódios, não mostrando nada de propriamente novo, pois estes entraves são o que alimenta a série com o passar do tempo.

A produção apoia-se em alguns agentes do mundo do cinema “reais”, como as personagens de Rock Hudson, de Vivien Leigh (Katie McGuinness), ou de Henry Willson, protagonizado por Jim Parsons – maioritariamente conhecido pelo Sheldon da “Teoria do Big Bang” -, que tem uma prestação notável em toda a série. Sem dúvida, a melhor atuação.

Jim Parsons como Henry Willson
Rock Hodson e Archie assumem publicamente a sua relação em plea noite de Óscares

É-nos permitido entrar nos bastidores da vida dos intervenientes, todos em volta de cenários muito à inícios dos anos 50, ou seja, em muitos dos espaços onde decorrem as acções é notório que a gravação é feita em estúdio. Curiosamente, algumas cenas são gravadas no mesmo café de “Era Uma Vez em… Hollywood” (2019). Em contrapartida, a série tem uma caracterização muito boa, assim como um guarda-roupa irrepreensível. Isto deve-se também aos orçamentos disponibilizados pela própria Netflix, que cada vez mais tem à disposição ferramentas e profissionais que permitem replicar da melhor forma possível o passado.

Todo o processo até à rodagem do filme “Meg”, escrito por um negro homossexual (Archie Coleman) e com o papel principal a pertencer a uma jovem negra vinda de uma família sem possibilidades, Camille Washington (Laura Harrier), é um conjunto de histórias interligadas algo banais, com especial foco nos clichés do atores de Hollywood. A apoiar a estrela da companhia está Hattie McDaniel, aqui interpretada por Queen Latifah, que foi a primeira artista afro-descendente a receber um Óscar.

Por outro lado, e pegando nessa mesma luta, “Hollywood” consegue ser cativante pela forma como a narrativa vai evoluindo, com destaque para a segunda metade, onde existe uma maior consistência na forma como a mensagem é passada. Por não ter um argumento complexo, não exige tanto do espectador. Por vezes queremos ver séries que nos relaxem, mas ao mesmo tempo que contenha mensagens pertinentes – ou pelo menos não totalmente vazias.

Muitos dos desfechos são previsíveis, no entanto o drama é intenso pela sinceridade de algumas personagens, pois são atores na pele de atores (o que nem sempre é fácil). A emancipação feminina também é um elemento de peso, pois é quando Avis Amberg toma conta do estúdio, na ausência do seu marido, que a narrativa desenvolve as acções mais desejadas e cativantes para o espectador. Para lá da história principal estão relações amorosas, desilusões, tráfico de influências, festas e muitos, muitos cigarros.

Com um final verdadeiramente à “Hollywood”, em grande parte previsível, encontramos nesta série um misto de emoções e de pontos a favor e contra. Contudo, acho importante frisar que apesar de algumas cenas “a pontapé”, a mensagem consegue ser clara e essa comunicação para quem está do outro lado do ecrã é essencial. Por entre um conjunto de ideias “fáceis”, esta é uma série de luta, mudança e intervenção.

“What’s important, is being in the room”

Hattie McDaniel (Queen Latifah)

Rating: 3 out of 4.

IMDB

Rotten Tomatoes

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