Em 1936 o carteiro afro-americano Victor Hugo Green escreveu um guia turístico que informava os viajantes afro-americanos onde estavam situados os restaurantes e dormitórios onde eram bem-vindos. Esse guia chamava-se Green Book (livro verde), de onde deriva o título do filme premiado com três Óscares, incluindo Melhor Filme de 2018. Realizado por Peter Farrelly, “Green Book – Um Guia Para a Vida” conta a história verídica de uma amizade improvável numa época contaminada por direitos cívicos desequilibrados.
Estamos em 1962 e Tony Lip (Viggo Mortensen), um segurança itálico-americano, está à procura de trabalho depois do bar onde exercia funções ter fechado para remodelações. A oferta mais promissora vem do pianista afro-americano Don Shirley (Mahershala Ali), que o convida a ser o seu motorista e guarda-costas durante a próxima digressão. Tony não está entusiasmado pela ideia de vir a trabalhar para um homem negro, mas aceita a proposta devido ao incentivo financeiro.

Auxiliado pelo livro verde, Tony guia o pianista virtuoso pelo meio-oeste até ao sudeste dos Estados Unidos, onde enfrentam um país segregado e preconceituoso. As ideias racistas tomam forma em agressões físicas, casas-de-banho separadas, tratamento condicionado por parte das autoridades, entre outras. É um drama que toca com frequência nestas questões mas evita aprofunda-las em demasia, preferindo uma abordagem mais leve e divertida.
Neste sentido, é tanto uma lição de história como um comentário social, embora o seu verdadeiro trunfo resida no interior do Cadillac. Durante a viagem, o rígido e o vulgar chocam com o refinado e erudito, à medida que Tony e Don discutem as suas divergências no que diz respeito ao mundo, à comida e até aos gostos musicais. A evolução desta dinâmica é o coração de “Green Book”, e é o que em última instância faz esboçar tantos sorrisos ao longo do filme.
As comparações com “Miss Daisy” (1989) são incontornáveis, não só em termos temáticos, como também nas performances centrais que abençoam ambos os filmes. Mortensen é incrivelmente genuíno numa personagem tridimensional, para a qual engordou mais de 10kg.

Sempre com um cigarro na boca ou comida plástica à mão, não tem qualquer receio de travar uma confusão, seja recorrendo à força ou a artimanhas. Em pleno contraste está Ali, que encarna a postura e a elegância, ainda que os seus olhos comuniquem remorso e solidão. Sentado ao piano, é um regalo para a audição.
Tanto as atuações como o tom equilibrado entre os aspetos cómicos e dramáticos são um testemunho da evolução de Peter Farrelly enquanto realizador e argumentista. É certo que pinta um retrato mais risonho do que sóbrio, mas apesar dos problemas raciais estarem longe do fim, “Green Book – Um Guia Para a Vida” recorda que o caminho é a empatia e a conexão humana, na esperança de sermos melhores todos os dias.
“Haverá um dia, algures num futuro próximo, onde este guia não terá de ser publicado“, escreveu Victor Hugo Green na primeira edição do livro. Com a Lei dos Direitos Civis de 1964, o livro verde ficou obsoleto, mas ainda há um caminho a percorrer.
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