O filme “L’Année derniére à Marienbad” (“O Último Ano em Marienbad” ou “O Ano Passado em Mareinbad“, em português), realizado em 1961 por Alain Resnais, é um dos exemplos mais bem conseguidos do uso de elementos do surrealismo e da narrativa não-linear. Escrito por Alain Robbe-Grillet, o filme retrata um possível reencontro entre duas personagens, um homem e uma mulher, que acontece num grande hotel, sobre a falibilidade da memória e cria um espaço fantástico em que a mente humana é testada.
Tanto quanto uma linha de história pode ser identificada no filme, ela pode ser resumida da seguinte forma: Num castelo barroco, espaçoso, que é usado como um hotel de luxo moderno para uma clientela de classe alta, um dos convidados (Giorgio Albertazzi) tenta persuadir uma mulher (Delphine Seyrig) que eles tiveram algo como um caso no ano anterior. Este ano, esta deveria fugir com ele para uma nova vida fora da arquitetura geométrica e da sociedade altamente formal, longe também do homem que parece estar a olhar por ela, e que pode ser o seu marido. No decorrer de vários encontros e conversas, o protagonista sucede gradualmente em submeter a mulher à sua vontade, sendo que no final do filme os dois parecem estar prontos para deixar o mundo requintado do hotel para um destino desconhecido.
As ambiguidades e incertezas que caracterizam a história não são uma questão de memórias que falham aqui e ali, ora porque muito tempo se passou, ora pelos os acontecimentos em questão serem muito triviais, ou por alguma outra razão realista. Em vez disso, a intenção é de expor ou apresentar tudo no filme como um artifício deliberado. “O Último Ano em Marienbad”, às vezes, é descrito como “a história de uma persuasão” – a história na qual um homem tenta convencer uma mulher da realidade de certos eventos passados, e, assim, persuadi-la a fugir com ele. O que vemos no filme, no entanto, não é uma persuasão em qualquer sentido realista em tudo. “Qual é o seu nome?“, pergunta o homem durante um rendez-vous pouco íntimo no parque do hotel. “Não importa“, responde a mulher. Isto dificilmente pode ser uma conversa entre duas pessoas que tiveram um encontro significativo no ano anterior, e que fizeram um acordo em se reunir novamente e possivelmente fugir. Não seria mesmo uma troca plausível entre os dois se se tivessem encontrado no hotel a apenas alguns dias atrás. A troca é mais como uma meditação filosófica sonhadora que os autores puseram na boca dos protagonistas. Ela tem a mesma função de tornar a história não-realista numa “lembrança” do protagonista. Se o relatório dos actos violentos do marido é uma ficção óbvia, qualquer outro suposto acontecimento pode ser, obviamente, igual. “O Último Ano em Marienbad” não conta uma história sobre memórias incertas e sentimentos contrários, mas sim uma composição deliberadamente incoerente de materiais recolhidos a partir de histórias convencionais e de fantasias dos leitores e espectadores.
A figura do labirinto retorna várias vezes no filme, e pode-se, naturalmente, fazer uma analogia com a própria estrutura da película. A primeira imagem do labirinto aparece nos créditos iniciais em que o plano percorre vários corredores do hotel, chegando, finalmente, a uma sala onde todos os visitantes estão a assistir a um filme. Esta noção de labirinto é importante, porque, primeiro todo o filme retrata memórias e fantasias do protagonista de forma a conseguir construir uma sequência querente que proporcione uma total reconstrução dos eventos passados; segundo, o filme deve ser percorrido como um labirinto, ou seja, testando vários caminhos, várias possibilidades. Resnais explora as diferentes versões da história, com fim de chegar à saída, à verdade, experimentando várias possíveis respostas. O exemplo mais evidente deste conceito é o de reconstruir a mesma sala, onde o realizador reposiciona e reveste as personagens, até mesmo os adereços da sala. Mas isto claro, dentro do ponto de vista do protagonista, que procura preencher as falhas existente na memória, testando-se assim todas as possibilidades, tal e qual se faz num caminho labiríntico.
“O Último Ano em Marienbad” é, sem dúvida, um dos melhores exemplos da abolição cinematográfica da narrativa clássica temporal. Nesta, aparentemente desconexa e incoerente, Resnais e Robbe-Grillet põem o espectador à prova, mas também fazem uma experiência artística cujo material principal é o tempo. Resnais provou com o seu segundo filme que foi o realizador da fragmentação, do tempo e dos códigos tradicionais da narração; pronto a fazer da sua obra uma experiência real para o espectador, que é convidado a tomar parte activa na construção da narrativa e do homem no vasto cenário do mundo. Ele refez o realismo tradicional, que requer um começo, um desenvolvimento e um fim: em condições sociais e num jogo dramático.
“É um lugar estranho para ser livre.” – Personagem de Marienbad.