O romance policial “O Caso da Criada Desaparecida” (Editora Record, 2011, 319 páginas, tradução de Renato Prelorentzou), do escritor britânico Tarquin Hall (1969) é ambientado na Índia e certamente a vasta trajetória de viagens do seu autor é responsável por escrever tal e qual um nativo. O personagem principal é Vish Puri, 51 anos, fundador e diretor executivo da Mais Particulares Investigadores Ltda., um sujeito bondoso e metódico, glutão e que possui o carinhoso apelido de Gorducho.
A agência possui funcionários com codinomes excêntricos: Cosmética, que se disfarçará de empregada doméstica na casa de um cliente; Freio de Mão, o motorista; Batente, o office boy preguiçoso e dois espiões secretos: Lanterna e Descarga. Conta com uma secretária, Elizabeth Rani, responsável pela administração da sua agenda. Na maioria das vezes, as investigações giram em torno dos passados dos pretendentes que se irão casar, contratados por familiares preocupados com dotes, heranças, e de afastarem interesseiros dos seus respetivos tesouros.
A estrutura de trabalho de Puri é excelente, tendo de conduzir vários casos ao mesmo tempo, tendo para isso vários disfarces e nomes, existindo inclusive em casa uma central de telefones que simulam empresas e outras pessoas. Um alfaiate ajuda-o no figurino de alguns disfarces. Casado com Tanajura e pai de três filhos, sendo que uma está na universidade, o modo de vida atribulado do detetive sofre um revés quando este é alvo de disparos que passam zunindo na sua cabeça. Ainda bem que os disparos acabaram por atingir um vaso de pimenteira, mas a sua cabeça estava a prémio. O que não faltava eram malfeitores, aos quais ele havia comprometido com as suas investigações.
Mas o caso que dá nome ao título é o que causa repercussão nos meios mediáticos, levando à prisão do incorruptível advogado Chippy Kasliwal, acusado de matar a empregada. Aqui temos uma crítica contumaz ao imbricado sistema judiciário da Índia, com os desmandos dos juízes e as audiências que são adiadas a longos prazos, a menos que se paguem propinas de forma a passarem à frente. Ou seja, quem tem dinheiro acaba sendo beneficiado.

Puri é contratado e envolve-se no caso de corpo e alma. Vai ter com o investigador da polícia, com o promotor e reserva um pouquinho do seu corpo para tratar de um caso menor, de um general de brigada que deseja averiguar o passado de um pretendente da sua neta. Ele é um cliente impaciente e diz sem meias palavras que Puri o está a enrolar. Este designa dois funcionários para cuidar do caso e vê a fiança de Kasliwal negada.
Com a ajuda de Cosmética, disfarçada de empregada na casa dos Kasliwal, substituindo a vítima Mary, o detetive ampara-se em duas pedras decorativas que indicam uma área mineradora e empreenderá assim uma viagem, de modo a encontrar pistas. Observamos aqui o quão continental é o território indiano, e sobre as viagens de comboio e avião, este último meio de transporte simplesmente causa pavor ao nosso herói, que tem que se submeter forçosamente a ele, com sudorese e soltando flatulências de nervoso que está, vê ainda a sua maleta abrir com as suas roupas íntimas e salgadinhos apimentados. Uma viagem para esquecer.
Mas eis que, procurando a agulha no palheiro, o nosso detetive chega ao vilarejo e irá certificar-se de que Mary, a empregada, ainda vive. A fotografia de uma desfigurada criatura, atribuída a ela, fora na verdade de uma outra rapariga. Aqui cabe o registo do quanto as raparigas são assassinadas e desovadas no país, sem os reclames dos familiares, muitas delas vindas do interior da Índia com o intuito de tentarem a vida como empregadas em Deli.
Essa armação vinha bem a calhar, pois o advogado Kasliwal, incorruptível exceto nos seus casos extraconjugais, segundo ele dissera em sua defesa, vez ou outra é necessário dar uma beliscada fora, pois bem, era bom que ele se submetesse e sentisse na pele o que era ser um criminoso. Assim certamente deixaria de ser o paladino da moral e dos bons costumes.
Puri leva Mary de volta a Deli, mesmo estando ela traumatizada e ainda convalescente da autoimolação que sofrera. Mas o que a levara a um ato tão fora do comum? O detetive suspeita do filho do advogado, o estudante Bobby radicado em Londres e que está a passar uns dias na casa do pai. Acobertado pela mãe, que o mantêm sobre a sua asa.
Casos solucionados, cenários indianos e denúncias sociais feitas, o romance ágil distrai e o único inconveniente é o glossário publicado no final, com as palavras notadamente hindus e que não encontram correspondências em português. Só mais para a metade final da obra, quando os termos se repetem, é que deixamos de interromper a leitura para as devidas consultas.
Atentem-se a esta afamada agência de investigação e, caso tenham um pretendente maroto querendo pertencer à sua respetiva família, não deixem de contratar a Mais Particulares Investigações.
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